Anúncios
Anúncios

Sonhar de olhos abertos

Anúncios

Hoje não acordei, fui acordado. Como se algo maior me puxasse do silêncio da noite e me deixasse à deriva num limiar entre o real e o que nunca foi. Acordar com vontade de sonhar é um paradoxo: o sonho não se visita com olhos abertos, mas com a alma entreaberta, vulnerável, disposta a dissolver-se no que não tem forma.
Sonhar é um acto de entrega. Não se trata de fugir, trata-se de aceitar que há mundos dentro de nós que não obedecem à lógica do tempo. Só quando o corpo se aquieta e o espírito se desprende é que surgem as imagens que não pedem permissão: cores que não existem na paleta da vigília, sons que não se ouvem, mas que ressoam no fundo do ser.
Sabes, o sonho não é um lugar, é um estado. Um espaço onde o “eu” se desfaz e se refaz, onde o que somos deixa de importar, e o que poderíamos ser se revela, mesmo que por instantes. Quando acordamos, não perdemos o sonho, perdemos a ligação. Fica o rasto, como o cheiro de uma memória que nunca aconteceu. E nesse rasto há verdade, há dor, há beleza.
O tempo do “faz de conta” não tem relógio. É um tempo circular, onde o fio da existência não tem pontas, apenas voltas. E nessas voltas, desfaz-se o nó que nos prende à ideia de controlo, e forma-se, lentamente, um laço. Não um laço perfeito, mas um laço verdadeiro, imperfeito, como tudo o que é humano.
Acordar com vontade de sonhar é, no fundo, querer reencontrar o que nos falta. É reconhecer que há uma ausência que nos habita, uma sede que não se sacia com o concreto. É aceitar que somos feitos de perguntas, e que o sonho talvez seja a única resposta que não precisa de palavras.

Anúncios

Deixe um comentário