Os dias arrastam-se lentamente, como se deslizassem sorrateiramente num imenso palco de silêncio. Cada gesto, cada passo, é uma dança delicada que conta a minha história. Já se passaram dias desde o diagnóstico, que ressoou como uma sentença. Foi como escutar o eco de uma tempestade ameaçando a tranquilidade do meu mundo. Os minutos seguintes oscilaram entre o medo e a esperança, numa coreografia estranha que desafiou os meus limites.
Houve momentos em que o chão parecia desaparecer sob os meus pés, e a vida, sempre tida como garantida, transformou-se num espetáculo frágil e imprevisível. Gradualmente, os aplausos retornaram, como um discreto coro celebrando cada pequena vitória, cada resultado positivo, cada manhã sem dor. Era um louvor ao que muitos não percebem: a simples alegria de estar aqui, de sentir, de viver.
Os sorrisos, agora iluminando o meu rosto, são como faróis numa noite escura. Brilham porque sabem que a tormenta passou, que o pior já passou, embora nada esteja garantido. Existe uma felicidade manifestada numa risada genuína, livre, quase infantil. Aquela risada que não carece de motivo, mas que compreende que o próprio motivo é estar vivo, sentir-me completo, mais forte.
No entanto, nem sempre tudo foi luminoso. Às vezes, a escuridão chegava sem aviso, como uma densa nuvem. Lágrimas amargas marcaram momentos de solidão e desespero, quando o medo sussurrava que talvez não houvesse amanhã. Mas o tempo é um maestro infalível, que mantém o compasso, não importa quão complexa seja a melodia.
Agora, a vida retomou a sua dança. Não digo que seja simples, mas há um novo ritmo, uma harmonia renovada. Estou no caminho certo. A cada dia, distancio-me mais do perigo, movo-me mais próximo da liberdade. A cirurgia representou um novo ato neste espetáculo. Senti-me renascer no meio da tempestade. E agora, meu coração, antes pesado, dança, leve e livre, acompanhando o compasso desta música, sabendo que o pior já passou.
- Filipe Miguel
Filipe de Luar 
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