Tive um sonho que rasgou a rotina e desenhou um outro mundo. Eu sonhei uma outra realidade, diferente daquela que conheço. Vi cores que não cabiam em palavras; percebi tons que a minha vista ignorava e senti vibrações que o corpo ainda não conhecia. Houve uma alegria estranha, uma alergia boa que me fez rir por dentro.
O Sol apareceu à noite e incendiou o silêncio; a Lua andou de dia e trouxe calma às ruas. A luz ganhou melodias e a atmosfera ficou suspensa entre o impossível e o familiar. A maresia beijou-me a pele com sal e promessas e contou segredos antigos, e eu deixei que me levasse mais longe.
Num sono tão profundo que doía, afastei-me da minha pele habitual; no tempo do sonho tornei-me viajante, colecionador de paisagens que ainda não existem. Andei por vales de luz, subi montes de vidro e atravessei cidades feitas de cheiro. Andei por mundos onde as cores mudavam de nome e as flores desabrochavam em acordeões de cor.
Encontrei seres que se dobravam como folhas e falavam como rios; vi formas de vida que reinventavam a natureza, plantas que cantavam quando chovia e animais com mais do que um nome. Vivi vidas emprestadas: uma manhã inteira como criança de outro idioma, uma tarde como artesão de estrelas, uma eternidade curta a aprender a respirar debaixo d’água. Provei línguas que não entendi e aprendi movimentos que o meu corpo desconhecia.
No sonho, o impossível era familiar e o familiar tornou-se mágico. Houveram paisagens que cheiravam a memória e rostos que pareciam melodias. A cada passo acumulava-se uma sensação de assombro e de pertença a algo imenso e secreto.
Acordei com migalhas desse universo: as cores na memória, o sal na pele, uma sensação de que o mundo se tinha alargado por dentro. Senti que ainda posso voltar; guardo nos olhos mundos inteiros à espera do próximo sonho. Desde então caminho com essa alegria estranha e leve, sabendo que há vidas emprestadas e paisagens por descobrir toda vez que fecho os olhos.

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Sonho que rasga a rotina
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