Desfolho páginas com dedos preguiçosos à procura de histórias, pensamentos ou memórias soltas. Procuro algo que segure o olhar e encontro apenas o rumor do tempo. Um frio pequeno instala-se na garganta: primeiro sussurro, depois voz que já não se cala.
De repente, a angústia sobe discreta no início, cada vez mais urgente, impossível de ignorar. Ecos de um passado recente acendem-se em imagens vivas: jogos improvisados, invenções que nasciam do nada, risos que rasgavam o silêncio e exclamações que enchiam a casa. Vivíamos tudo com uma voracidade inocente, porque bastava querer ser feliz para que a alegria se tornasse inteira.
Tu chegaste luminosa, cheia de pressa e desejo. Foste uma sequência de dias intensos, uma presença que transformava o comum em festa. Depois, sem aviso, partiste. A tua ausência deixou um espaço que a rotina tenta preencher, mas não apaga. A vida continuou, insistente e impessoal, exigindo que eu existisse apesar do vazio.
Vagueio por aí como quem caminha numa névoa: aparento estar acordado, mas ando distraído, anestesiado. Caminho pelas rotinas, pelos dias que se empilham, por conversas que rolam vazias, enquanto dentro de mim perdura uma margem onde nada toca completamente. Sinto que, se calhar, nunca cheguei a viver por inteiro.
Fecho os olhos e voltam os flashes, cheiros, risos, gestos sem medida e com eles a saudade que arde como fogo em palha seca. Ainda assim, levanto-me e obedeço ao ritmo do mundo; sigo adiante porque a vida manda seguir, mas carrego contigo a intensidade de cada instante vivido e a memória viva de tudo aquilo que fomos quando nos permitimos existir por puro querer.
Lê-se em cada página o rasto dessa luz e dessa falta: pequenas provas de felicidade, restos de infância adulta, sinais de um tempo que já não volta. E mesmo que a dor se prolongue, há uma verdade simples que me acompanha a verdade de que amei, vivi intensamente por momentos, e isso basta para manter acesa a memória que te conserva inteira.

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Memórias que pegam fogo
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