Estava a despontar o dia e o céu ainda guardava as cores tímidas da noite. A água do mar veio de mansinho e tocou-nos nos pés com um frio que despiu qualquer pressa. A areia, fina e dourada, colou-se às plantas dos pés enquanto corríamos, o corpo pesado de cansaço e leve de desejo, e o sol foi entrando devagar, como quem reacende uma chama sem alarde.
O cheiro do mar misturava-se com o sal e a brisa trazia fragmentos de conversa e risos que desvaneciam com a maré. Havia nos pequenos gestos uma carga de ternura: um olhar que demorava, uma mão que procurava outra, o calor do teu corpo a fazer do meu um lugar seguro. O amor, naquele instante, mostrou o seu poder de transmutação; aquilo que antes doía tornou-se pálido e distante, como uma sombra que o sol empurra para longe.
Um sussurro pousou no meu ouvido e fez vibrar as palavras entre nós, doces e salgadas, como a língua do mar. O teu colo ofereceu calor e abrigo, e nesse abrigo todas as arestas arredondaram. O mundo lá fora, com as suas rotinas e feridas antigas, parecia um rumor longínquo. Era preciso tão pouco: um toque, uma respiração sincronizada, para que o passado perdesse peso e o presente se tornasse pleno.
Abraçámo-nos enquanto a praia se ia enchendo de vida; gaivotas desenhavam traços no ar e alguém, mais adiante, lançava a rede da sua rotina matinal. Os nossos corpos acordavam devagar, empurrados pela luz e pelo movimento. Havia uma espécie de música: o bater das ondas, o riso ocasional, o som dos pés na areia que organizava o tempo de um modo diferente do habitual, aqui o tempo era agora, generoso e sem culpa.
Mas a intensidade trouxe também a sua fragilidade. À medida que a manhã ganhava corpo, a imagem começou a diluir-se. Percebi que muitas coisas, talvez tudo, tinham cabido apenas na minha fantasia persistente: o desejo de te manter perto, a vontade de que o momento durasse sem fissuras. A ilusão foi-se tornando tangível e depois, sem alarde, volátil.
Acordei tarde, com a luz já alta e o quarto a cheirar a manhã. Havia ao meu lado um espaço vazio que parecia guardar a ausência com a mesma precisão com que antes guardara a tua presença. Levantei-me, senti o chão frio nos pés e encarei o dia que vinha pela frente. Não era um regresso brusco à normalidade; era uma continuidade mais humilde, a promessa silenciosa de que, mesmo quando os encontros se esvaem, algo do que foi permanece: uma memória que aquece, um sorriso que resiste, a certeza de que o corpo e a mente sabem ainda procurar beleza.
Este dia ficou assim, dividido entre o que fora real e o que a imaginação moldara. Ficou o sabor do sal, a areia entre os dedos, o eco do teu sussurro e a sensação de que os pequenos rituais são capazes de transformar um dia normal num momento de graça. Para quem é jovem, é a promessa de que os encontros valem o risco de sonhar. Para quem procura um tom mais sereno e reflexivo, é o lembrete de que a vida é feita de passagens sutis onde se ensaia a coragem de seguir adiante.
Segui. Com passos calmos, com o coração menos apressado, levei comigo o que podia reencontrar noutras manhãs: a atenção aos pequenos detalhes, a vontade de oferecer calor, a paciência para aceitar vazios e a coragem de abrir espaço para novos começos.

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Manhã de mar e saudade
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