Sou prisioneiro de mim. As chaves, esquecidas de propósito na ranhura do outro lado da porta, repousam frias como ferro molhado. Quase sinto o cheiro do metal oxidado, o frio a subir-me pelos dedos só de imaginar tocá-las. Estão ali, tão perto, mas pesam como montanhas invisíveis.
O meu coração, agrilhoado, esqueceu-se do voo. As asas que um dia ousaram tocar o vento jazem quebradas, e cada batida soa como corrente a arrastar-se sobre pedra. Dentro do peito, o ar é denso, sabe a pó e a cinza, como se respirasse ruínas.
Cansado da súplica incessante da sua voz, essa voz que ecoa como gota a cair sem fim numa gruta escura, ergo os olhos ao céu. As estrelas cintilam como brasas suspensas, e o seu brilho parece prometer consolo. Mas a sombra que germinou em mim é mais funda do que a noite. Ela alastra como raiz venenosa, infiltra-se em cada recanto, e pesa, pesa mais, até ferir a chama clandestina que, em silêncio, insiste em permanecer ao meu lado.
Sou cárcere e sou carcereiro. Sou a muralha que me encerra e a chave que poderia libertar-me. Mas também sou a centelha que resiste, mesmo quando tudo em mim parece ruir.
E nesse paradoxo descubro a essência: a prisão não é apenas grades, é também espelho. A sombra que me habita é feita da mesma matéria que a luz que me acompanha. O silêncio que me sufoca é o mesmo que guarda a promessa de um grito.
Talvez um dia, quando o peso for insuportável, a mão cansada encontre coragem para rodar a chave esquecida. E então, a porta abrir-se-á não para fora, mas para dentro — revelando que o voo nunca me foi roubado, apenas adormecido.

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Prisioneiro de mim mesmo
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