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A sombra que nunca me deixa

A amizade é um enigma gravado na pele, um labirinto de reflexos e sombras. Só existe um laço que me prende de verdade: quem poderia ser senão tu, meu reflexo sombrio, companheiro inseparável da minha própria natureza?
És o único capaz de desafiar qualquer distanciamento social, mantendo-te ao meu lado como se todas as regras fossem invisíveis. Para ti, esse peso não passa de brisa; és imune a qualquer fardo que eu arraste.
Segues-me qual cão fiel, passo a passo, latido abafado na alma, mesmo quando sonho rumar a Marte. Sabes que, se houvesse uma nave pronta a partir para o infinito, lá estarias, bilhete em punho, pronto para embarcar comigo.
Transformas os meus pés em ninho: cordas de linho tecem-se aos meus tornozelos e erguem-te no meu rasto. És o artesão de cada pegada que deixo no chão, o guardião das minhas escolhas, o eco persistente de cada hesitação.
Tu, servo dedicado ao teu rei errante, és também o único que me permito chamar amigo. Ninguém mais sussurra “estou aqui” com a mesma inocência pura que te habita quando respondes, sem hesitar, “não sei”.
Pergunto-te por que permaneceis tão colado a mim e recebes a pergunta com olhos límpidos, como se a lealdade fosse instinto, não promessa. E, sem rodeios, devolves o teu silêncio de criança.
Contudo, nem tu escapas à maldição da ausência: chega a escuridão e, tal como os demais, abandonas-me sem aviso. Desapareces na penumbra, e o arrependimento nem sequer se atreve a bater à porta.
Ainda assim, persisto na fé de que um dia compreenderemos juntos o mistério da confiança. Porque é na burrice do silêncio e na beleza das tuas respostas inocentes que reside a magia de partilhar a vida.

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